sábado, 26 de junho de 2021

Memórias de Araruna: recordando o Sargento Alcides Nobre

Francisco Alcides Nobre
    Francisco Alcides Nobre, nasceu no município de Barra de Santa Rosa - PB, no dia 12 de agosto de 1925, sendo filho de Raimundo Alves dos Santos e Maria Alves Nobre, conhecida como "Maria Raimunda",  sendo um dos 8 filhos do casal, que ainda tiveram os seus irmãos: Helena, Marli, Augusta, Josefa, Nevinha, Chico e Paulo, que conviveram com seus pais durante sua infância no sítio Melo, em Cuité - PB, e também na zona urbana da terra em que nasceu. Interessante destacar, que a mãe de Alcides Nobre, a dona Maria Raimunda, foi parteira, e pelas suas mãos dezenas de ararunenses vieram ao mundo.

O senhor Alcides Nobre foi sem dúvidas um dos maiores nomes da cultura ararunense, mediante  as décadas que comandou a banda de música local em que foi maestro. Entretanto, não se tem notícias de como foram suas influências musicais para adentrar neste segmento artístico, mas o que se sabe, é que por volta da década de 1950, fez o concurso público da Banda da Polícia Militar da Paraíba, instituição atualmente com 151 anos de existência, onde tornou-se participe do convívio musical. Desta banda veio para Araruna e por aqui se fixou, quando foi transferido em 1962. 

Casou-se com a senhora Cìcera Targino Silva Nobre, com quem teve os seguintes filhos: Aristóteles, Aristomar, Ariosmar, Adna, Adione e Alcidemar. Chegou a ensinar música a quase todos os filhos (Somente Adione não se entusiasmou em aprender), dois deles, Adna (sax-alto) e Alcidemar (trompete), devotaram-se assim como o pai no oficio musical. O maestro inseriu sua filha na banda, tornando-se a primeira mulher a compor os quadros da briosa banda. Nas palavras da filha do maestro: "a música para ele era tudo, era a vida dele". 

Alcides Nobre durante sua juventude

Banda de Musica da Polícia Militar da Paraíba, década de 1950. Alcides Nobre é o quinto da direita para a esquerda na segunda fileira.


Disciplinado e regrado, o maestro Alcides aprendeu a ler as partituras e a tocar de ouvido, compôs dezenas de arranjos, costumava acordar por volta das 7h da manhã, sentava-se em uma cadeira na cabeceira da mesa e ali ficava por horas ensaiando e estudando novos arranjos e solfejos. Foi um grande valorizador das composições de outros músicos. Teve como grande qualidade o fato de conseguir copiar as músicas e ensinar a seus alunos, uma tarefa que demandava muita pratica e conhecimento, em tempos onde não se existia uma máquina de xerox por perto. 

Em suas aulas, era exigente e cobrava dos alunos compromisso, iniciando pelos horários. Se determinado aluno se atrasasse 1 minuto já era o suficiente para o Sargento Alcides o dispensar e exigir que na próxima vez chegasse  cedo. 

Músico dedicado e exigente, Alcides adquiriu experiência e domínio em diversos instrumentos, mas tornando-se especializado no trompete. Foi maestro na terra que o adotou, Araruna (PB), durante a administração do prefeito Alfredo Barela (1960/1963) e continuou nas gestões seguintes, passando 31 anos ininterruptos a frente da Banda de Música de Araruna. Além do prefeito Barela, o sargento Alcides participou nas gestões de Targino Pereira da Costa Neto, Mentor Carneiro da Fonseca, Wilma Targino Maranhão, Maria Celeste Torres da Silva e parte da segunda gestão de Wilma Targino Maranhão, quando o maestro se desligou da banda em 1990, indicando o companheiro Antônio Pereira Lima, "Veinho", para substituí-lo. 

Diversas foram as contribuições das regências do Sargento Alcides Nobre a frente das bandas de música, além de maestro em Araruna, foi também maestro na banda de música da cidade de Nova Floresta (PB), a convite do então prefeito Menézio Dantas na década de 1960; em Cacimba de Dentro (PB), convidado pelo prefeito Antônio Gomes de Sousa (Totonho) na década de 1970; em Nova Cruz (RN) na gestão do prefeito Targino Pereira da Costa Neto na década de 1980, com quem já havia trabalhado anos antes. 

Sargento Alcides e a banda de musica na década de 1960.

Cópia do dobrado Prefeito Menézio Dantas de Nova Floresta, datado do dia 18 de dezembro de 1968.


Cópia de dobrado de Cacimba de Dentro, datado do dia 09 de julho de 1974. 

          Maestro Alcides Nobre, Banda de Música 12 de Agosto, secretário Nivaldo Fonseca e a então prefeitura de Araruna ao fundo. Registro de 1962.

Apresentação da banda de música de fronte a praça Getúlio Vargas e prefeitura municipal. Na foto: Secretario Nivaldo Fonseca, Deputado Estadual José T. Maranhão, Professor Arnaldo Rodrigues, Prefeito Alfredo Barela e Sargento Alcides Nobre. Registro da gestão do prefeito Alfredo Barela (1960/1963). 

Maestro Sgtº. Alcides Nobre e banda de musica na Avenida Epitácio Pessoa,
com o Ginásio Pereira da Silva ao fundo. Década de 1960. 

Banda de Música 12 de Agosto, na praça Rio Branco, de frente para o mercado velho, na presença do prefeito Agenor Targino (1969/1972). 

Banda de Música 12 de Agosto, no dia 7 de setembro de 1975.
No centro o prefeito Antônio Martins de Sousa, o Sargento Alcides Nobre na lateral direita. 

Maestro Sgtº. Alcides Nobre tocando seu trompete, com a Banda de Música 12 de Agosto, passando pela Rua Solon de Lucena. 

Banda de Música 12 de Agosto, tocando durante as comemorações alusivas ao feriado de 7 de setembro, de frente a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, no ano de 1976. 

Maestro Alcides Nobre com a Banda 12 de Agosto. Ao fundo Clube 31 de Janeiro.
Data imprecisa, provavelmente nos primeiros anos da década de 1980. 


Precioso registro do Maestro Alcides com sua mãe, Dona Maria Alves Nobre (Maria Raimunda, parteira), e a Banda de Música 12 de Agosto na década de 1980.

Sargento Alcides e Banda 12 de Agosto sobre a PB-111, com a Escola Estadual Benjamim Gomes Maranhão ao fundo. 

Prefeita Celeste Torres, secretário Luís Torres, Maestro Alcides Nobre e Banda 12 de Agosto na praça João Pessoa.


Sargento Alcides Nobre com a Banda 12 de Agosto na Avenida Epitácio Pessoa, ao fundo o infelizmente demolido casarão de Alfredo Moreira. Data: 10 de junho de 1986. 


Maestro Alcides e Banda 12 de Agosto na Rua Antônio Carneiro. Provavelmente dos primeiros anos da década de 1990. 

A respeito da passagem do Sargento Alcides no comando da Banda de Música de Araruna, o professor Humberto Fonseca de Lucena nos diz: "A passagem do maestro Alcides Nobres deixou marcas indeléveis na história da banda de música de Araruna, não só por sua longa permanência, mas pela dedicação, pelos ensinamentos e pelos esforços em favor do crescimento e manutenção da corporação." 

Quando emergiu na história  da banda de musica local, encontrava-se a instituição sem uma identidade, desconhecia-se inclusive seu próprio nome, "Pedro Vieira Zominho", a quem homenageava seu primeiro maestro, através de uma lei de 1947, do prefeito José Gomes Maranhão Filho. Na década de 1960, nem prefeitura, nem câmara, membros da banda ou a sociedade como um todo, recordava deste detalhe. Desta forma, o maestro Alcides Nobre imprimiu na banda de música de Araruna seu modus operandi, batizou (ou rebatizou) a banda de música com o nome de "12 de Agosto", data do seu aniversário, e que embora a lei de denominação nunca tenha sido revogada, ficou na prática este sendo até a atualidade a denominação utilizada como oficial pela banda. 

Neste município o maestro Alcides Nobre foi o primeiro a formar uma banda marcial mista, o que em décadas passadas era bastante inovador, além de ser o coordenador dos desfiles de 7 de setembro da respeitada instituição de ensino, o Ginásio Pereira da Silva.

Foi autor de diversas composições, dentre elas "Araruna no Frevo", de 1963, do bolero "A vida é assim" e o dobrado "Prefeito Mentor Carneiro". Juntamente com o senhor Teobaldo de Lima Fonseca (letra) e do tenente José Alves (musica e arranjo), o maestro Alcides Nobre contribuiu na criação do "Hino a Araruna" em 1984, um dos mais importantes símbolos municipais, e no final dos anos 1990 compôs o dobrado 12 de Agosto. 

Respeitado pelos músicos, formou gerações no município, que acabavam muitas vezes, participando algum período da formação da Banda 12 de Agosto. Conviveu com grandes nomes que já integraram a banda municipal, dentre outros: Pedro Rafael, Veinho, Pita, Luis do Padre, Zé de Nô, Josias e João de Dina. 

Em outubro de 1990, devido problema de saúde, que vinham se agravando, o Sgtº Alcides se desligou da Banda de música, necessitava cuidar de si mesmo, ele sofria de um atrofiamento no cérebro, que prejudicaram sua fala e coordenação motora. Encerrou a vida em cima de uma cadeira de rodas, sentia tonturas e esquecimento. Após anos em reclusão doméstica, aos cuidados da família, chegou a falecer no dia 1º de outubro de 2003, aos 78 anos de idade. 

Embora de sua perda, permanece a presença do Sargento Alcides  muito marcada no lúdico e memória dos ararunenses, afinal foram décadas de seu comando na labuta de seu oficio, com que conduzia literalmente com maestria.  

Livro para estudo "Celebre Solfejo" que pertenceu ao maestro Alcides.

Cópia de "Araruna no frevo".

                                                                Dobrado "Dois Corações".


Cópia do bolero "A vida é assim". 

Hino a Araruna, 1º de janeiro de 1984. 

Relação de quepes da banda de música. Ano de 1987.  


Dobrado Manoel Luis, cópia de Açcides Nobre em 21 de agosto de 1995.

Meus sinceros agradecimentos a filha do Maestro Alcides Nobre, a professora e saxofonista Adna Silva Nobre, que gentilmente me cedeu material e repassou informações.

Referência mencionada: LUCENA, H. F. Notícia histórica sobre a Banda de Música de Araruna. João Pessoa/PB. 2011. 

Por: Wellington Rafael







quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Memórias de Araruna: trajetória de vida da centenária Maria Afra de Lima


Maria Afra de Lima
 Maria Afra de Lima nasceu em Araruna - PB, no dia 24 de maio de 1917. Filha do senhor Joaquim Alexandre Neto e da senhora Francisca Carmen dos Santos, seus pais eram de São Vicente, no estado do Rio Grande do Norte e costumavam vir à Serra de Araruna nos tempos de seca para arrendarem terras e trabalharem na agricultura.

Nestas idas e vindas do casal, nasce Maria Afra, a terceira de sete irmãos, sendo eles: Chico, Manoel, Augusto, Vicência, Elias (conhecido por Guedes) e Sebastião, o único vivo além de Maria Afra. Com apenas 1 mês de vida a pequenina já teve que acompanhar os pais no retorno a cidade potiguar, carregada pela mãe em uma tipoia, que é um tipo de pano ou lenço preso para carregar um braço doente ou uma criança pequena. Antes de partir foi necessário se fazer o seu batismo, o mesmo foi realizado pelo antigo e conhecido Padre Joel Esdras Lins Fialho que estava à frente da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição à época. 

 

Vivendo com os pais e irmãos em São Vicente, onde estudou até o 4º ano primário, lembrava o nome de um de seus professores, chamado Antônio. Maria Afra só retornaria para sua terra natalícia aos 13 anos de idade em 1930. Em suas memórias ela recorda que todo o trajeto era feito a pé e de burro, onde as pessoas andavam por vários dias se deslocando de cidade em cidade, dentre elas, Santa Cruz/RN, tendo como paragens as casas de algumas pessoas que acolhiam os viajantes, ranchos ou tendo como escolha se abrigar debaixo das arvores, quanto a alimentação, esta era improvisada sendo cozido em banha de porco em latas de gás. Era uma verdadeira jornada e aventura, a distância das duas cidades equivale a mais de 160 km nos caminhos das estradas e rodagens atuais.

Neste retorno da família para Araruna, a senhora Francisca decide nela se estabelecer e morar em definitivo, este desejo fez com que seu esposo, o senhor Joaquim consentisse mas não a permitisse mais de retornar para São Vicente. Neste período a família arrendava terras nas proximidades do sítio Maniçoba a um senhor chamado Firmino. 

Em 1939, aos 22 anos de idade, casava-se com Antônio de Pádua (25 anos), mas antes disto, teve que passar por situações que confrontavam esta união. Ao saber do namoro, o seu pai Joaquim em prontidão proibiu, um dos seus tios, ainda morador no Rio Grande do Norte a convidou para lá morar, onde a receberia para que fosse embora de Araruna e não se envolvesse com o rapaz. A opinião contrária de seu pai pesaria muito neste processo. Foi daí que um personagem da história ararunense deu sua contribuição para que se pudesse solucionar este imbróglio afetivo e amoroso. Tratava-se do Padre Francisco Bandeira Pequeno que aconselhou Antônio: "Antônio como você ama Maria e vai deixar ela ir embora? Tome uma atitude! Carregue ela que eu faço o casamento!".   

Lembrança dos "Batutas da Meia Noite", sendo o senhor Antônio de Pádua o terceiro sentado da esquerda para  direita. Registro de 03 de março de 1940.


O conselho do Padre Bandeira foi efetivo, Antônio então tomou sua decisão e combinou este rapto consentido com a amada Maria Afra.  Chegando o horário da janta, a sua amiga Maria Tomás, conhecida por "Maria Maribondo" foi lhe avisar do local em que Antônio a estava esperando. Assim, Maria diz a mãe "Vou na casa de Padrinho Vil e madrinha Benigna", ela iria na verdade era desviar do caminho e ir se encontrar com o seu amado, nisso passava o tempo e nada da filha voltar pra janta. 

Maria em seu plano com Antônio, entrou nos fundos da casa do senhor João Toscano, na Avenida Semeão Leal, saindo pela frente da casa na atual rua Perilo de Oliveira, onde seu namorado a esperava, e lá partiram para uma casa na rua Castro Pinto, que pertencia a Antônio Carneiro que posteriormente foi na casa dos seus de Maria para informar-lhes do acontecido, e assim se consumou a aventura, tendo sido "carregada", "Maria fugiu". 

Isto ocorreu no dia 4 de julho, mesma data de aniversário da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Serra de Araruna, e o seu casamento se realizou 11 dias depois, no dia 15, pelo Padre Bandeira. O pai de Maria, o senhor Joaquim rejeitava a ideia desta união pelo fato de Antônio ser um "homem de cor", menosprezando as características do rapaz que era servidor público da Prefeitura de Araruna, trabalhando como escrevente para o Prefeito Demóstenes Cunha Lima, utilizando as canetas de pena e o tinteiro como objetos da labuta, além de ser um membro da Banda de Música em que tocava pistom. Joaquim teve tanto desgosto da união que disse: "Ela saiu, deixe ela lá, isso foi como se um pedaço de dedo meu fosse cortado"

Este afastamento perdurou por muito tempo, até que em uma oportunidade, a dona Francisca resolveu fazer o seu esposo falar com a filha, onde pediu que Maria ficasse escondido por trás de uma moita de tomates para abordar o pai e lhe pedisse a benção, a astucia funcionou. 

Seu marido Antônio foi um assíduo frequentador do  Clube Recreativo 14 de Julho, participando principalmente de jogatinas, onde sua habilidade nos jogos o fez ser patrocinado em muitas ocasiões por Pedro Targino Sobrinho, jogando por ele que lhe alicerçava com o dinheiro.  

Dona Maria Afra e amigos durante confraternização.
Dona Maria Afra e Padre Assis, durante missa na Igreja Matriz na década de 1990. 


Casada, tendo sua casa e família para cuidar, Maria Afra passou muitos anos trabalhando como dona de casa, esta localizada na atual Avenida Coronel Pedro Targino, sendo uma casinha modesta e de taipa, onde inicialmente o casal dividia uma rede, e posteriormente compraram uma cama. Da união foram gerados os seguintes filhos: Izelda, Hugo, Ivanilda, Dalva, Afrânio e Socorro. Dentre eles surgiram 2 professoras, 3 escrivãos de polícia e uma revisora do jornal a União, estes foram os filhos vivos, ao todo ela teve 15, mas que não chegaram a sobreviver. 

A vida assim foi seguindo até a chegada do dia 15 de agosto de 1962, dia da Festa da Boa Vista, comemorada no município, onde o senhor Antônio Pádua veio a falecer aos 48 anos de idade. Somente após a morte do marido, ela recebeu a visita do seu pai em sua casa. Agora viúva, dona Maria Afra nunca mais quis se casar, seu foco era somente o de cuidar da sua família, sem a presença do esposo, ela começou a trabalhar como auxiliar de serviços gerais no Grupo Escolar Targino Pereira até se aposentar compulsoriamente aos 70 anos de idade em 1987, quando retorna a sua vida de dona casa, onde acordava cedo para aguar as plantas e ir religiosamente a feira livre aos sábados, até enquanto a idade lhe permitiu.  A matriarca sempre conseguiu reunir toda a sua família em proximidade sua, sendo um dos momentos de maior confraternização em seu seio familiar a comemoração do seu natalício. 

Dona Maria Afra, agora com 103 anos, vive aos cuidados dos parentes, entre filhos e netos na rua Padre Joel, por trás da igreja matriz, o patrono da rua vem a ser o homem que a batizou, . Possuidora  de uma memória que a permitiu recordar dos mínimos detalhes  de acontecimentos que marcaram o ambiente que viveu e das ações da vida contando a seus filhos as histórias mais antigas, atualmente devido o avanço da idade perde muitas vezes a  lucidez, mas recobrando a mesma após uma boa conversa. 

Suas preciosas lembranças a levavam a rememorar uma Araruna de outrora, em que frequentava muito às missas na mocidade, lembrando dos detalhes dos altares da igreja, dos "gigantes" de sustentação na fachada da matriz, assim como também da grande reforma promovida em 1954 pelo Padre Joaquim de Sousa, em que considerou que se estava destruindo o patrimônio histórico, impulsionado pelo "fogo" e energia da juventude. 

Comemoração do seu aniversário em 2003. 
Dona Maria em 2005, na comemoração dos seus 88 anos.
Maria Afra regando suas plantas
Em sua residência na rua Padre Joel de frente a seu jardim

Maria Afra comemorando o seu centenário ao lado do único irmão vivo, Sebastião
Dona Maria rodeada por filhos e netos em comemoração a seu centenário. 

A matriarca soprando as velas dos seus 100 anos aos 24 de maio de 2017


Lembrava com emoção e saudosismo dos organizados desfiles promovidos pelo Grupo Escolar Targino Pereira e pelo Ginásio Pereira da Silva, em que considerava um verdadeiro evento cívico, onde se despertava logo cedo ao som das difusoras que tocavam o Hino nacional, Hino da Independência, e outros, além da sempre valorosa participação da Banda de Música.  Outro momento importante lembrado por Dona Maria e transmitido através da história oral, foi da inauguração da rede elétrica na cidade de Araruna pelo prefeito Targino Pereira da Costa, onde na oportunidade se apresentou a Banda Cantores de Ébano, composta por muitos músicos negros e que tocaram dentre outras Uirapuru

Recordava ainda dos antigos carnavais ararunenses, em que gostava de participar acompanhando, jogando bolas de parafina perfumadas nos foliões e pessoas que observavam o movimento. Seus momentos de descontração sempre foram contidos e sem extravagancias, dançarina de valsas e boleros com o marido, filhos e irmãos, costuma até hoje em dia ouvir antigas músicas e dançar como pode, mexendo somente os braços na incapacidade de andar devido a avançada idade, ou observando alguma filha dançar a seu pedido e sempre dizendo "você dança bem, mas eu dançava melhor!". 

Ainda costuma ouvir e cantar as músicas de vários de seus interpretes preferidos, a exemplo de Sertaneja de Nelson Gonçalves, música que o marido cantava para ela em serenata no seu pistom; Que Será? Dalva de Oliveira; Casinha Branca de Gilson Vieira da Silva; Meu sublime torrão de Genival Macêdo e outros, como Altemar Dutra, Agnaldo Timóteo e Ataulfo Alves. Outra paixão praticada por dona Maria Afra era a poesia, onde declamava com entusiasmo, dentre as preferidas encontra-se "Meus oito anos" de Cassimiro de Abreu em que a será transcrita  a baixo como homenagem a sua vida. 

Meus oito anos
Casimiro de Abreu

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias
De despontar da existência!
– Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é – lago sereno,
O céu – um manto azulado,
O mundo – um sonho dourado,
A vida – um hino d’amor!

Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d´estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

Oh! dias de minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberto o peito,
– Pés descalços, braços nus –
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

[…]

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
– Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Por Wellington Rafael

Agradecimento especial a Professora Socorro e Izelda, filhas de Dona Maria Afra pelas informações aqui transmitidas.