sexta-feira, 8 de maio de 2020

José Amâncio Ramalho, o empreendedor que Araruna perdeu

José Amâncio Ramalho (1880 - 1953)
Muito se desconhece ainda, sobre a historiografia de Araruna, inseridos neste pensamento, podemos citar um personagem obscurecido por décadas, me refiro ao senhor José Amâncio Ramalho, a quem muitos ararunenses desconhecem o tamanho de sua contribuição para com o nosso município.

O senhor Zé Amâncio, nasceu no povoado ararunense de Tacima, na data de 08 maio de 1880,   fez seus estudos primários em Bananeiras - PB. Filho de Antônio Amâncio da Silva e de Águida Rodrigues Ramalho. Seu pai possuía notória influencia política em Araruna, onde era proprietário de terras. 

Em 1905, foi estudar na Faculdade de Direito em Recife – PE, tendo concluído o curso em 1908. Casou-se, em primeiras núpcias com a Sra. Luiza Moreira Ramalho, com quem teve dois filhos: o futuro General Edson Amâncio Ramalho (1912) e Carmésia Ramalho Tinôco (1914). 

Em segundas núpcias, casou-se com Maria do Livramento Ramalho, com quem teve quatro filhos: José Amâncio Ramalho Júnior (1947); Águida de Maria Ramalho Nóbrega (1948); Benjamin Amâncio Ramalho (1950); Antônio Amâncio Ramalho (1951). 

Seu momento de grande influência na história de Araruna, veio com a ideia da construção do primeiro mercado público, em que sua participação foi fundamental, ocorrendo justamente após se formar em 1908, e voltar para o município que os pais residiam. Este período coincide com a ascensão da família Targino no poder.

Em Araruna, no inicio do século XX, principalmente entre os anos de 1905 e 1910, se observaram grandes modificações em seu desenvolvimento. Os Targino outrora, como atualmente, comandavam os destinos da cidade e dos cidadãos, acabaram por ouvir a recomendação de José Amâncio e do Conselho municipal, sobre a necessidade da construção de um mercado.

O prefeito da época, Sebastião Soares Cabral acatou o pedido destes, e desta forma, a municipalidade iria conseguir oito contos de réis, e o restante seria por conta do empreiteiro e beneficiário da obra: José Amâncio. Ao todo, a construção custou 30 contos de réis.

Fachada principal do Velho Mercado Público. Fotografia de 1934.
Amâncio levou os projetos, após a assinatura do plano de construção, para conhecimento público, mostrando os detalhes da obra, pois sabia que era de bom agrado de todos que se fosse realizado, e de forma astuta levou este conhecimento as pessoas em geral, para caso de alguma desistência, ou quebra de contrato a população seria revoltosa ao prefeito e a família Targino.

Além de projetar o mercado, Amâncio receberia como pagamento pelos 22 contos de réis emprestados para a  construção os "imposto de chão, de açougue e de lojas, pelo prazo de dez anos", sendo assim ressarcido.


O Velho Mercado de Araruna, e seus arredores. Fotografia de 1940. 

A ideia de se construir o mercado público, que era nas palavras do Professor Humberto Fonsêca de Lucena: "o sopro de vida que faltava - traduzindo na vitalização do comércio e na extraordinária movimentação cultural e social do lugar", fez surgir um novo avanço na urbanização da cidade, nem mesmo a construção da igreja matriz (1876 - 1900) conseguiu tal feito.

Seria assim, arrebentada a estagnação que a cidade vivia até então, o panorama primitivo de ruas desalinhadas e tortuosas, seria substituído por um alinhamento que trouxesse organização e pujança urbana, melhorando a economia e comércio local. Todos os terrenos em redor do novo mercado receberam construções de um bonito conjunto de casario, que ainda se preserva em parte, até a contemporaneidade.

"Conta-se, em Araruna, que todo o povo, em grande animação, carregou pedras para a construção do mercado. Esse entusiasmo contribuiu para abreviar os trabalhos, cuja duração ocupou todo o resto de 1908 e prolongou-se por quase todo o ano seguinte, quando a obra foi dada por concluída com a chegada dos portões de ferro procedentes da Europa. Restavam o reboco e a pintura. Na verdade, faltava pouco".  (LUCENA, 1996, p.67).

José Amâncio Ramalho, juntamente com sua esposa, 
Luiza Moreira Ramalho, e seus dois filhos: Edson e Carmésia. 
Por volta  de 1920. Fonte: Acervo familiar.
Encoberto pela visão empreendedora de Amâncio, estava o desejo de ampliar seu poder politico no município, onde com o uso e influencia do mercado, e a gratidão popular pela sua construção, o tornavam um nome cada vez mais forte na cidade. Esse fato, não agradou aos Targino, pois não queriam partilhar o poder político com mais ninguém, já lhes bastavam os adversários a época. 

A disputa pelo objetivo em comum, o poder, já era algo notório, e de conhecimento da maioria da população, tendo em vista a aproximação do pleito municipal de 1912. 

A gota d’agua para o rompimento definitivo aconteceu quando Amâncio viu derrubada sua pretensão de nomear um irmão seu para o cargo de Juiz Municipal, ocupado pelo Dr. José Guilherme de Souza Caldas, fiel correligionário dos Targino, e que fora reconduzido para o posto em maio de 1913. A partir de então, as brigas  ganharam os jornais”. (LUCENA, 1996, p. 80). 

Assim:

“Aos 13 dias de outubro de 1914 o prefeito de Araruna, Coronel Pedro Targino, apresentou o seguinte documento para ser transcrito em Cartório:

Havendo a Prefeitura de Araruna se apossado do edifício do Mercado Público da vila do mesmo nome, por mim construído mediante contrato entre mim e a dita Prefeitura, sem que me fosse indenizado dos quatro anos que ainda me cabia desfrutar por força do respectivo contrato; pelo presente declaro haver entrado em acordo com o Coronel Pedro Targino da Costa, atual Prefeito, para receber nesta data como indenização a importância de 4 contos de réis (4:000$000). Dou ao pleno Prefeito a plena quitação desistindo de qualquer ação. Assinado. José Amâncio Ramalho.”. (LUCENA, 1996, p. 86).

Após estes episódios, com várias publicações de críticas e respostas nos jornais “A União” e “O Norte”, o misto de advogado e engenheiro Amâncio Ramalho, não conseguiu mais continuar bem, estando em Araruna, e se deslocou para a região do brejo paraibano, onde havia comprado terras por volta de 1912, do Capitão João da Mata Lins Fialho. Inicialmente, essas terras haviam sido denominadas “Boa Vista” e, posteriormente, em 1943, passaram a se denominar Borborema. José Amâncio Ramalho,  foi o fundador da cidade de Borborema, e lá conseguiu enfim, controlar e estabelecer um domínio político, além de levar sua grande marca: o planejamento urbano. No ano de 1953, após seu êxito nas novas terras, faleceu o "Dr. Zé Amâncio", que foi sucedido no comando municipal  por parentes em vários mandatos.

Segundo palavras do bananeirense Ramalho Leite (2016, p. 66):

"Zé Amâncio aceitou receber quatro contos de réis de indenização e retirou-se de Araruna para sempre. Borborema, então Boa Vista, ganhou esse empreendedor [...]. Construiu um açude e, com a força da água, passou a produzir energia e vendê-la a vários municípios. Zé Amâncio era um visionário. Do alto da Serra de Araruna ele avistara o progresso chegando ao Brejo: o trem aportaria em 1913. Faltava a energia para impulsionar a indústria, florescer o comércio e encher os trens de produtos locais. Sua visão de futuro e sua força empreendedora fizeram nascer uma cidade. O que Araruna perdeu, Borborema lucrou". Em Borborema, pela iniciativa de José Amâncio Ramalho, surgiria a terceira usina hidroelétrica do país. 
Casa de José Amâncio Ramalho, na cidade de Borborema - PB. A pedido de sua esposa, Luzia Ramalho, a Igreja da cidade foi construída na direção frontal de sua casa, assim podendo da janela, contemplar o monumento. Foto: Destino Brejo. 
 É notória a importância histórica da visão empreendedora de José Amâncio Ramalho em Araruna, com a construção do mercado público inaugurado em 1909, a cidade cresceu economicamente e ampliou sua polarização e influencia regional. "Sua obra é um divisor de águas e divide a história de Araruna em dois tempos: antes e depois do Mercado. Nem por isso seu nome foi lembrado para batizar alguma rua ou qualquer logradouro público de Araruna", reclama Humberto Fonseca de Lucena. O que ocorreu, foi que o grupo político dominante e vencedor da peleja, juntamente com o passar das décadas, ocultaram o nome de José Amâncio da história ararunense.

Tentando corrigir isto, este que vos escreve, fez um pedido no ano de 2017, à Câmara Municipal de Vereadores, através do vereador Jefferson Targino (descendente dos Targino que tiveram a querela com Amâncio), para denominar o museu que se encontra no atual Mercado Cultural de "Museu Municipal José Amâncio Ramalho", uma homenagem justa a quem teve participação fundamental na existência do próprio prédio. 

Projeto de Lei que denominou o Museu Municipal José Amâncio Ramalho em 2017.


Por: Wellington Rafael

Referências bibliográficas:

 LEITE, Ramalho. Gente do passado, fatos do presente. João Pessoa: A União, 2016.
 LUCENA, Humberto Fonsêca de. O Velho Mercado de Araruna e seus Arredores. João Pessoa, Empório dos livros. 1996.
SANTOS. Wellington Corlet. Edson Ramalho, o general da prosperidade. 2019.
 SILVA. Wellington Rafael. A ascensão e a dominação política da família Targino em Araruna na primeira década do século XX. UEPB. 2018.